sábado, 24 de abril de 2010

LEGISLAÇÃO SOBRE INCLUSÃO

Meire Cavalcanti
Revista Nova Escola

Nem sempre quem tem deficiência está matriculado na escola regular. Para reverter esse quadro, é fundamental que pais e educadores conheçam a legislação.


Rampas de acesso: adaptar a estrutura física para possibilitar a locomoção de alunos e funcionários que andam de cadeira de rodas é dever de toda escola. Foto: Tarciso Mattos.
"Desculpe, não estamos preparados." Pais de crianças com deficiência precisam saber: argumento como esse não pode impedir o filho de estudar.Professores e gestores devem lembrar: não há respaldo legal para recusar a matrícula de quem quer que seja.As leis que garantem a inclusão já existem há tempo suficiente (leia abaixo) para que as escolas tenham capacitado professores e adaptado a estrutura física e a proposta pedagógica. “Não aceitar alunos com deficiência é crime”, alerta Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da República em São Paulo. A legislação brasileira garante indistintamente a todos o direito à escola, em qualquer nível de ensino, e prevê, além disso, o atendimento especializado a crianças com necessidades educacionais especiais. Esse atendimento deve ser oferecido preferencialmente no ensino regular e tem nome de Educação Especial. A denominação é confundida com escolarização especial. Esta ocorre quando a criança freqüenta apenas classe ou escola que recebe só quem tem deficiência e lá aprende os conteúdos escolares. Isso é ilegal. Ela deve ser matriculada em escola comum, convivendo com quem não tem deficiência e, caso seja necessário, tem o direito de ser atendida no contraturno em uma dessas classes ou instituições, cujo papel é buscar recursos, terapias e materiais para ajudar o estudante a ir bem na escola comum. Esse acompanhamento - a Educação Especial - nada mais é que um complemento do ensino regular.
Alguns estados, porém, estão reconhecendo essas escolas como de Ensino Fundamental Especial, o que não é previsto em lei, para facilitar o repasse de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A situação pode mudar com a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Segundo Cláudia Dutra, secretária de Educação Especial do Ministério da Educação, há negociações para aumentar o porcentual diferenciado para o aluno com necessidades educacionais especiais. Os recursos devem financiar a escolarização da criança no ensino regular e o atendimento especializado em turno distinto. “Se a rede não oferecer esse serviço, o repasse poderá ser feito para instituições sem fins lucrativos, desde que elas estabeleçam convênios com as Secretarias de Educação e cumpram exclusivamente o papel de apoiar a escolarização, e não de substituí-la, conclui Cláudia.
Várias leis e documentos internacionais estabeleceram os Direitos das pessoas com deficiência no nosso país. Confira alguns deles:
1988 - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: Prevê o pleno desenvolvimento dos cidadãos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; garante o direito à escola para todos; e coloca como princípio para a Educação o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
1989 - LEI Nº 7.853/89: Define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado. A pena para o infrator pode variar de um a quatro anos de prisão, mais multa.
1990 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA): Garante o direito à igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, sendo o Ensino Fundamental obrigatório e gratuito (também aos que não tiveram acesso na idade própria); o respeito dos educadores; e atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular.
1994 - DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: O texto, que não tem efeito de lei, diz que também devem receber atendimento especializado crianças excluídas da escola por motivos como trabalho infantil e abuso sexual. As que têm deficiências graves devem ser atendidas no mesmo ambiente de ensino que todas as demais.
1996 - LEI E DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LBD): A redação do parágrafo 2o do artigo 59 provocou confusão, dando a entender que, dependendo da deficiência, a criança só podia ser atendida em escola especial. Na verdade, o texto diz que o atendimento especializado pode ocorrer em classes ou em escolas especiais, quando não for possível oferecê-lo na escola comum.
2000 - LEIS Nº 10.048 E Nº 10.098: A primeira garante atendimento prioritário de pessoas com deficiência nos locais públicos. A segunda estabelece normas sobre acessibilidade física e define como barreira obstáculos nas vias e no interior dos edifícios, nos meios de transporte e tudo o que dificulte a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios de comunicação, sejam ou não de massa.
2001 - DECRETO Nº 3.956 (CONVENÇÃO DA GUATEMALA): Põe fim às interpretações confusas da LDB, deixando clara a impossibilidade de tratamento desigual com base na deficiência. O acesso ao Ensino Fundamental é, portanto, um direito humano e privar pessoas em idade escolar dele, mantendo-as unicamente em escolas ou classes especiais, fere a convenção e a Constituição.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: Prevê o pleno desenvolvimento dos cidadãos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; garante o direito à escola para todos; e coloca como princípio para a Educação o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
Fonte: Revista Nova Escola

MAIORIA DOS CASOS DE BULLYING OCORRE NA SALA DE AULA

Luciana Alvarez
Jornal O Estado de São Paulo

Uma pesquisa nacional sobre bullying - agressões físicas ou verbais recorrentes nas escolas - mostrou que a maior parte do problema (21% dos casos) ocorre nas salas de aula, mesmo com os professores presentes. Dos 5.168 alunos de 5.ª a 8.ª séries de escolas públicas e particulares de todas as regiões do País entrevistados, 10% disseram ser vítimas de bullying e 10%, agressores - 3% são ao mesmo tempo vítimas e agressores.

O estudo, feito pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats/FIA) para a ONG Plan Brasil, mostrou o despreparo das escolas e dos professores. "As escolas mostraram uma postura passiva para uma violência que acontece no ambiente escolar", afirmou Gisella Lorenzi, coordenadora da pesquisa.

"Em outros países, o lugar preferencial de agressões é o pátio, onde costuma haver mais alunos e menos supervisão", disse Cléo Fante, pesquisadora da Plan, especialista em bullying. Segundo o estudo, 7,9% das agressões são feitas no pátio, 5,3% nos corredores e 1,8% nos portões da escola. A socióloga Miriam Abramovay, da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), diz que o resultado demonstra que o estudante não se importa com a supervisão de um adulto, pois há uma banalização da violência nas escolas. "Essas agressões não são vistas como uma violência", diz. "Em geral, os professores dizem que é brincadeira. Falta um olhar perspicaz para perceber os conflitos". 

A pesquisa indicou também que 28% dos estudantes foram vítimas de algum tipo de violência dentro da escola no último ano e mais de 70% deles presenciaram agressões. Quando se trata de agressões recorrentes, os meninos sofrem mais que as meninas: 12,5% deles se disseram vítimas, mas o número cai para 7,6% entre as garotas. O Sudeste é a região com mais vítimas de bullying - 15,5% - e o Nordeste, com a menor ocorrência (5,4%).

Rendimento. A principal consequência do bullying para a vida escolar é semelhante tanto para agredidos quanto para os agressores. A perda de "concentração" e "entusiasmo" pelo colégio foram as consequências mais citadas pelos dois lados (16,5% das vítimas e 13,3% dos agressores). "A violência na escola impede a plena realização do potencial das crianças", afirmou Moacyr Bittencourt, presidente da Plan Brasil.

Outros dados são que 37% dos entrevistados disseram que "às vezes" sentem medo no ambiente escolar e 13% afirmaram que nunca se sentem acolhidos. E, com a internet, insultos e ameaças via rede passaram a fazer parte da realidade dos alunos.

PARA ENTENDER


1. O que é bullying?
É qualquer tipo de agressão física ou moral entre pares (como colegas), que ocorre repetidas vezes nas escolas. A pesquisa considerou ao menos três vezes ao ano.

2. Qual a motivação para o bullying?
Não há motivos concretos.

Dicas para enfrentar o problema

Medo da escola. Uma criança que demonstre desconforto físico ou tristeza antes de ir para escola ou não queira participar de festas de colegas de colégio pode ser uma vítima. Procure conversar com seu filho e com representantes da escola.

Novos comportamentos. Crianças que tenham mudança brusca de comportamento - eram falantes e tornam-se quietas, por exemplo - também podem estar sofrendo bullying. Pais devem ficar atentos ainda a comportamentos agressivos.

Atenção e conversa"Vítimas" e "agressores" precisam igualmente de atenção. Muitas vezes o comportamento agressivo tem motivações de insegurança e medo. O melhor caminho é mediar uma conversa franca entre os dois lados.
Fonte: O Estado São Paulo

domingo, 11 de abril de 2010

OS DESAFIOS DA EJA ALÉM DA ALFABETIZAÇÃO

Paula Sato
Revista Nova Escola

Entrevista com Timothy Ireland


Timothy Ireland: "A EJA tem agora objetivos maiores que a alfabetização". Para o especialista inglês, é desafio da modalidade de ensino preparar para o mercado de trabalho e um mundo em transformação.

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda é vista por muitos como uma forma de alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por algum motivo tiveram de abandonar a escola. Felizmente, o conceito vem mudando e, entre os grandes desafios desse tipo de ensino, agora se inclui também a preparação dos alunos para o mercado de trabalho - o que ganha destaque nestes tempos de crise econômica. "Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e a juventude", afirma o inglês Timothy Ireland, mestre e doutor na área e especialista em Educação da representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

Diretor do Departamento de EJA do Ministério da Educação (MEC) de 2004 a 2007, Ireland foi o responsável pela coordenação da sexta edição da Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), o mais importante encontro do mundo na área, que ocorre apenas a cada 12 anos. Sediado em Belém do Pará entre os dias 19 e 22 de maio, o evento foi realizado pela primeira vez na América Latina. Nesta entrevista, concedida à NOVA ESCOLA antes do início da conferência, Ireland apresenta um panorama de sua área e fala das principais questões que preocupam os estudiosos e dos desafios ainda a vencer.

Quando o assunto é EJA, se pensa em primeiro lugar na alfabetização. Essa é a função principal dela? TIMOTHY IRELAND A alfabetização é uma parte fundamental, mas não é a única. No Brasil, a EJA tem sido associada à escolaridade compensatória para pessoas que não conseguiram ir para a escola quando crianças, o que é um erro. A Unesco trabalha com o conceito dos quatro pilares, surgido do desafio apresentado por um mundo em rápida transformação: precisamos aprender a ser, a viver juntos, a fazer e a conhecer. Também há o desafio da participação, da inclusão e da equidade: como colocar em prática o conceito da inclusão, que prevê o atendimento das demandas de aprendizagem da vasta diversidade de grupos. O Brasil tem segmentos com características bem definidas, como os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as pessoas mais velhas. Todos têm direito à Educação.

O que gerou tantas transformações nessa modalidade de ensino? IRELAND Isso ocorreu porque a Educação tem de acompanhar as mudanças que estão acontecendo e interagir com elas. O processo educativo, idealmente, começa na infância e termina somente na velhice. Dessa forma, a EJA tem de ser vista numa perspectiva mais ampla, dentro do conceito de Educação e aprendizagem que ocorre ao longo da vida.

O que essa aprendizagem contínua contempla? IRELAND O processo tem três dimensões: a individual, a profissional e a social. A primeira considera a pessoa como um ser incompleto, que tem a capacidade de buscar seu potencial pleno e se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo. Na profissional, está incluída a necessidade de todas as pessoas se atualizarem em sua profissão. Um médico, um engenheiro, um físico, todos os profissionais precisam se requalificar. Em momentos de crise, como o atual, isso fica ainda mais necessário. É comum o trabalhador ter de aprender um novo ofício para se inserir no mercado. Na social (que é a capacidade de viver em grupo), um cidadão, para ser ativo e participativo, necessita ter acesso a informações e saber avaliar criticamente o que acontece. Além dessas, há outra dimensão de aprendizagem muito pertinente neste momento: a relação das pessoas com o meio ambiente. Todos nós temos a necessidade de nos reeducarmos no que se refere a essa questão. Precisamos praticar novos paradigmas de sustentabilidade e novos hábitos de consumo.

Qual a importância dos programas de alfabetização de adultos no Brasil? IRELAND Existe uma vontade política muito forte de reduzir as estatísticas de analfabetismo. Para um país que pretende ser uma potência mundial, ter um número significativo de pessoas que não sabem ler e escrever é um ruído na imagem. Também é essencial lembrar que esse é um dos indicadores usados para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Por fim, no campo pedagógico, a alfabetização representa o alicerce do processo de Educação, o portal pelo qual é necessário passar para poder continuar aprendendo.

Como adequar esses programas a um mundo em que o conceito de alfabetização tem se ampliado? IRELAND De acordo com o conceito da Unesco, a alfabetização é a habilidade para identificar, entender, interpretar, criar, calcular e se comunicar mediante o uso de materiais escritos vinculados a diferentes contextos. Dessa forma, o essencial é compreender que ela não é mais entendida apenas como o domínio básico da leitura, da escrita e das operações matemáticas. Para uma pessoa realmente possuir essas habilidades, ela tem de concluir pelo menos o Ensino Fundamental.

Quais são os países mais bem-sucedidos na EJA hoje? IRELAND Existem alguns com uma forte tradição nessa área, como Inglaterra, França e Itália, que têm introduzido na legislação o conceito de Educação ao longo da vida. Em geral, os europeus reconhecem o papel da EJA para o futuro social e econômico. Entre as nações emergentes, também há bons exemplos. Um deles é a Coreia do Sul, que estabeleceu dois planos nacionais de cinco anos para o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida. Outro é a China. Na América Latina, Cuba tem investido em Educação para todos e com qualidade. Prever verbas para a EJA é crucial para o desenvolvimento de qualquer nação.

Segundo dados da Unesco referentes à América do Sul, a taxa de analfabetismo no Brasil só não é pior que a do Peru. Por que estamos tão mal? IRELAND Eu apontaria três fatores principais. Primeiro, a riqueza natural do Brasil. Talvez ela tenha contribuído para que a Educação não fosse prioridade. Com tantos recursos, parecia não ser necessário investir nas pessoas. O segundo é que, obviamente, oferecer ensino em um país do tamanho do Brasil é muito mais difícil do que em outros menores, como o Uruguai e o Paraguai. Por fim, creio que não exista uma valorização da Educação. Só recentemente os governantes começaram a entendê-la como essencial para o desenvolvimento sustentável. Durante muito tempo, ela não tinha valor social nem para o próprio povo.

Houve avanços nos últimos tempos? IRELAND Um esforço muito maior tem sido feito recentemente, com investimentos nessa área. O fato de a EJA ter sido incluída no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi fundamental para garantir uma fonte estável de recursos. Antigamente, se escolhia uma fase da Educação como foco, mas o governo atual tem uma visão sistêmica do setor e defende o investimento em todos os níveis de ensino.

O que falta para que o Brasil tenha menos demanda para a EJA? IRELAND Há um problema sério. Muitos jovens que saem da escola semianalfabetos se matriculam na EJA. Eles não deveriam migrar para essa modalidade por falta de qualidade na escola regular. Para que um nível não gere demandas desnecessárias para outro e como forma de garantir continuidade nos estudos aos que aprendem a ler e escrever, é necessário estabelecer um projeto de políticas de alfabetização articulado com outros níveis de ensino. Aliado a isso, é necessário também investir mais na profissionalização dos educadores.

Os professores não estão bem preparados para educar jovens e adultos? IRELAND Obviamente existem os que são muitos bons. Na maioria dos casos, os educadores desse público são improvisados e não têm preparo específico para atender esse público. Há formas diferenciadas de trabalhar com EJA e menos de 2% dos cursos de Pedagogia oferecem formação específica para esse fim.

Dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade mostram que a evasão no Ensino Fundamental na EJA chega a 20%. Como evitar isso? IRELAND Há diversas variáveis interferindo nesse processo. Muitas vezes, o estudante não deixa voluntariamente a escola. Faz isso por causa da família ou do trabalho. Também existe a questão da qualidade do curso oferecido. Falta pensar a EJA com base nas demandas de aprendizagem dessa clientela específica. É importante reconhecer que a maioria dos estudantes que procuram concluir a Educação formal também carece de qualificação profissional e, por isso, deve-se articular a formação deles com a Educação continuada.

Como isso pode ser feito? IRELAND Há duas iniciativas do governo que representam um grande avanço na área: o Proeja (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) e o Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens).

Além dessa relação com o mundo do trabalho, há outras a promover? IRELAND Sem dúvida. O MEC tem um papel importante de coordenar políticas que busquem a interface com outros setores. Já há relações fortes com a comunicação e a saúde. Pesquisas mostram claramente que mulheres com maior escolaridade cuidam melhor do bem-estar dos filhos. Há outros pontos que permeiam os dois campos. Os ministérios da Educação e da Saúde, por exemplo, se articularam para providenciar exames de vista e óculos para os que estão matriculados no programa Brasil Alfabetizado. Isso já ocorria com crianças, mas o reconhecimento de que o problema também afeta os mais velhos é muito bom.

O que mudou na área desde a última Confintea, em Hamburgo? As metas estabelecidas foram cumpridas? IRELAND Na edição de 1997, abriu-se muito o leque de responsabilidades a que a EJA tinha de atender. Além de contribuir para o desenvolvimento de cada ser humano, ela tinha de contemplar a questão do mundo do trabalho e até a paz mundial. Foram criadas demandas além de sua própria capacidade. No período imediatamente posterior à reunião, houve muito otimismo. Achava-se que os compromissos iriam se reverter em novos investimentos e esforços por parte dos governos. Mas isso não se deu. Quando se fala da avaliação da Confintea de Hamburgo, hoje o que sobressai é passar da retórica para a ação.

Quais são, então, os desafios atuais? IRELAND Atender a expectativas criadas em Hamburgo e também contemplar a crise financeira e econômica, que resultou na recessão global. Não há como negar que a EJA tem demandas próprias. É impossível desenvolver programas de qualidade sem que os recursos estejam garantidos. Normalmente, nas escolas são improvisados o local para essas aulas, os materiais utilizados e os educadores. Pra resolver isso, a profissionalização do corpo docente e o enriquecimento dos ambientes de aprendizagem são fundamentais. Em termos de gestão, é essencial implementar políticas de forma mais efetiva, transparente, eficaz e responsável, envolvendo na decisão representantes dos segmentos que participam da EJA - como a sociedade civil.

Criar políticas é papel da Confintea? IRELAND Em geral, a conferência estabelece linhas ou orientações políticas, mas é necessário que ela crie mecanismos para avaliar o que está sendo feito.

Entrevista extraída do site:

RÁDIO ESCOLA EM UMA TURMA DE EJA



Beatriz Vichessi

Revista Nova Escola





AUMENTE O SOM Os alunos Mariléia e Moacir e as professoras Joeci, Claudia e Ionara vão ao ar às quintas-feiras. Foto: Beatriz Vichessi.

No interior gaúcho, programa de rádio aperfeiçoa o desempenho escolar de jovens e adultos.
Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), pioneiro do radialismo brasileiro, acreditava que "o rádio é a escola dos que não têm escola". Ainda hoje, ele é uma das únicas fontes de informação nas regiões mais distantes. Para Claudia Lourenço, Joeci Gassen e Ionara Bencke, professoras de Venâncio Aires, a 130 quilômetros de Porto Alegre, porém, o veículo é uma importante ferramenta para os jovens e adultos que voltaram a frequentar as salas de aula (a maior parte deles depois de abandonar os estudos para ajudar a família nas lavouras de fumo).

Por iniciativa das três, turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de quatro EMEFs - José Duarte de Macedo, Professora Odila Rosa Scherer, Cidade Nova e Dois Irmãos - se revezam para produzir reportagens e entrevistas e apresentar, ao vivo, o Nas Ondas da Educação, na Venâncio Aires 910 AM. O programa vai ao ar todas as quintas-feiras à noite e dura meia hora. Alunas do curso de formação continuada Mídias na Educação, oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) e gerido pela Universidade Federal de Santa Maria, também no interior gaúcho, elas tinham de organizar um projeto como trabalho de conclusão do primeiro módulo. Resolveram, então, criar o programa com conteúdos trabalhados em sala de aula.

No meio do caminho, perceberam que mais interessante ainda seria levar a ideia adiante. "Queríamos aplicar o que aprendemos criando oportunidades para nossos alunos", lembra Claudia, professora de Matemática. Acompanhada por Ionara e Joeci, que na época trabalhavam na coordenação pedagógica da Secretaria de Educação (e este ano voltam a lecionar), levaram a proposta aos colegas, aos estudantes e ao coordenador da emissora, que conseguiu o espaço fixo (e gratuito) na programação.

O primeiro programa (produzido pela turma da José Duarte) foi ao ar no fim do ano passado. Desde então, foi montado um rodízio entre as escolas. A rotina é a mesma de muitas emissoras: pensar nos temas, aprovar as melhores ideias, gravar depoimentos, escrever reportagens e convidar gente para cantar.

NOVA ESCOLA acompanhou um dos programas no início de fevereiro. Na véspera, os estudantes ensaiam tudo e fazem ajustes no texto e no ritmo de leitura. Na noite seguinte, ao entrar no prédio da emissora, a agricultora e aluna Mariléia Faleiro, 31 anos, assume outro papel. "Eu e Moacir Alves seremos os locutores", diz ela. Nodário Dornelles, 41 anos, também agricultor, assume o posto de comediante. Flávio Bergmann, 35 anos, caminhoneiro, sabendo que não conseguiria chegar a tempo para falar sobre sua profissão, optou por gravar um depoimento "para participar a distância".

"O empenho de todos têm reflexos diretos na melhora da leitura em voz alta, na produção de textos e no interesse pelos temas que são trabalhados em sala de aula", comemora Lara Henn, professora que coordenou a apresentação. O sucesso da iniciativa está fazendo jus à potência das ondas do rádio. Claudiomiro Nunes, 35 anos, convidado a participar cantando duas músicas, decidiu voltar a estudar. "O grupo é unido e me contagiou." Agora, diz Joeci, é tempo de seguir fazendo barulho. "Vai ser melhor ainda quando pudermos incluir outras escolas e grêmios estudantis em nosso rodízio."

sábado, 10 de abril de 2010

AS CLASSES MULTISSERIADAS NAS ESCOLAS RURAIS

Paola Gentile
Revista Nova Escola

Entrevista com a educadora Claudia Molinari


CLAUDIA MOLINARI "É preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas". Foto: Rodrigo Erib.

A diversidade ajuda no avanço de classes multisseriadas

A pesquisadora argentina Claudia Molinari afirma que todos podem aprender em turmas que reúnem estudantes de diversas idades e níveis de conhecimento.

Uma das características da Educação feita em regiões rurais é a organização da turma em classes multisseriadas. Por causa das grandes distâncias entre as propriedades e do baixo número de crianças em cada ciclo ou série, é comum encontrar as que estão em fase de alfabetização estudando com quem já sabe ler e escrever – e todos sob a orientação de um só professor.
Geralmente, a diversidade de faixas etárias, de maturidade e de níveis de conhecimento é apontada como razão para o alto índice de fracasso escolar dos que moram no campo. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgada em setembro do ano passado mostram que a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos no campo é três vezes maior do que na cidade. Atualmente, esse índice é de 7,6% nas regiões urbanas e 23,3% nas rurais.
Contudo, um programa de formação de professores desenvolvido na província de Buenos Aires – envolvendo docentes e estudantes de Pedagogia, inspetores de ensino e professores de 26 escolas rurais – mostrou que é possível conseguir bons índices de aprendizado nessas condições quando são desenvolvidos projetos ou sequências didáticas que explorem a interação a favor do ensino. Claudia Molinari, professora de Ciência da Educação da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e uma das coordenadoras do projeto, fala sobre o trabalho.

Muitos professores que lecionam em escolas rurais acreditam que a presença de alunos de várias faixas etárias e com níveis de conhecimento diferentes dificulta o aprendizado. Isso realmente acontece?
CLAUDIA MOLINARI Apesar de a diversidade estar presente em qualquer grupo, na escola rural ela chama muito mais a atenção por concentrar no mesmo espaço – e ao mesmo tempo – crianças de idades muito díspares, da Educação Infantil aos últimos anos do Ensino Fundamental. E, geralmente, o professor não tem um auxiliar trabalhando com ele. A responsabilização da multisseriação pelo fracasso escolar nessas turmas sempre aparece no discurso dos professores. Eles veem nisso um problema que prejudica principalmente o ensino dos menores – os que demandam mais atenção –, mas que também dificulta o dos maiores, que acabam não tendo tarefas ou atividades específicas que os ajudem a progredir.

Qual é a principal dificuldade enfrentada pelos que lecionam em classes multisseriadas?
CLAUDIA - O maior problema é organizar o tempo didático. Quando se deparam com crianças de várias séries ou ciclos, com diferentes necessidades de aprendizagem, dividindo o mesmo espaço e a atenção deles, os docentes pensam que a solução é fazer planejamentos distintos para cada grupo. Porém essa nunca foi uma estratégia eficiente, pois o professor, durante a aula, precisa correr de um lado para o outro tentando atender a todos e, obviamente, ele não dá conta de acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos. Se tiver de optar por dar mais atenção a um determinado grupo, certamente se dedicará aos que estão em fase de alfabetização, deixando os outros com atividades fáceis de executar para o nível deles – não demandando a intervenção docente –, o que não lhes propicia a construção de conhecimento.

Dedicar tempos iguais para os diferentes grupos seria uma solução mais adequada nesses casos?
CLAUDIA - Também não. Alguns professores acham que estão sendo justos quando reservam, por exemplo, meia hora ou outra fração qualquer de tempo para cada agrupamento. Porém nem assim eles conseguem dar um bom atendimento, já que cada um pede um tipo de intervenção. Outros ainda têm a iniciativa de propor tarefas coletivas. Sem dúvida, essa é uma maneira mais interessante do que desenvolver atividades separadas, mas também fica mais fácil cair na armadilha de achar que todos estão envolvidos, quando, na verdade, a mesma proposta pode ser adequada para uns, muito fácil para alguns e difícil demais para outros. Com isso, os alunos deixam de enfrentar situações específicas que estejam de acordo com seus saberes e com os desafios que precisam enfrentar para progredir.

O que o programa elaborado para a capacitação dos educadores rurais da província de Buenos Aires propôs para resolver o problema da organização do tempo e da diversidade?
CLAUDIA - A interação entre alunos de diferentes níveis, antes considerada um obstáculo, transformou-se em vantagem pedagógica. Elaboramos um projeto didático totalmente baseado nesse princípio. E deu certo nas 26 escolas que participaram do curso de formação. Hoje sabe-se, por meio de várias pesquisas realizadas na área da Psicologia Social, que o trabalho com os pares é favorável à aprendizagem. Pesquisas conduzidas pela educadora Mirta Castedo, também da Universidade de La Plata, atestam a eficiência dos grupos. Neles, as crianças sempre apresentam desempenhos cognitivos superiores aos que mostrariam se realizassem as mesmas tarefas individualmente. E isso é verdade tanto para as mais avançadas como para as que têm algum tipo de dificuldade, para as mais velhas e para as mais novas.

As vantagens dessa organização também aparecem em turmas que estão no início da escolaridade, em que o principal objetivo do professor é promover a alfabetização? CLAUDIA - Com certeza. A pesquisadora argentina Ana Teberosky, responsável junto com Emilia Ferreiro pelas pesquisas pioneiras sobre a psicogênese da língua escrita, analisou a maneira como os pequenos da Educação Infantil com o mesmo nível de conhecimento realizam diversos intercâmbios em atividades relacionadas à escrita. Ainda que ninguém em um determinado grupo saiba ler e escrever convencionalmente, todos se ajudam, não só permitindo mas também facilitando a socialização dos conhecimentos. Dessa forma, cria-se um ambiente favorável à aprendizagem.

Qual foi o objetivo didático do projeto desenvolvido com escolas rurais da província de Buenos Aires?
CLAUDIA - Nosso objetivo foi fazer com que os alunos de diversas idades aprendessem a ler e a escrever em contextos de estudo. Optamos por tratar de animais em vias de extinção, mas poderíamos ter abordado qualquer outro assunto. Os estudantes tinham de produzir um texto que divulgasse o resultado dos trabalhos. Decidiu-se pela elaboração de uma enciclopédia como produto final. As crianças escolheram os destinatários: os leitores seriam os futuros estudantes da escola, colegas de outras unidades rurais e usuários da biblioteca escolar. Nos acordos feitos, os menores de 1º e 2º anos ficaram responsáveis por escrever as epígrafes, os do 3º ao 5º fizeram os textos sobre os bichos e os de 6º e 7º, a apresentação do problema relativo à ameaça de extinção de animais do nosso planeta. Juntos, todos elaborariam a página de introdução da enciclopédia. Tínhamos um só planejamento, no qual foram previstas tarefas individuais, coletivas e em grupos, menores ou maiores, que estavam sempre se alternando. Esses últimos poderiam se organizar por ciclo (ou série, de acordo com a escola) ou por níveis de conhecimento, parecidos ou não, dependendo dos objetivos de cada etapa.

Em que momentos os alunos trabalharam juntos?
CLAUDIA - A turma toda participava do planejamento, dos registros em cartazes das tarefas e dos compromissos assumidos, das exposições feitas pelo professor, das discussões sobre vídeos e materiais selecionados e das decisões sobre as fontes a serem consultadas e as informações para a edição do texto final da enciclopédia. Houve também momentos em que os menores contaram aos maiores o que haviam descoberto durante a pesquisa e vice-versa. Os mais velhos, por sua vez, ouviram os colegas, leram em voz alta todo o material para os pequenos, comentaram e avaliaram com eles a pertinência das informações encontradas de acordo com o objetivo do projeto.

Quais os critérios usados para a formação de grupos?
CLAUDIA - Em algumas ocasiões foi interessante juntar alunos em diferentes fases de aprendizagem, nas quais um ajudava o outro a avançar em um determinado aspecto. Noutras, era mais conveniente que crianças com grau de conhecimento equivalente da língua estivessem envolvidas na mesma tarefa para que levantassem hipóteses e discutissem sobre elas sem a presença de um membro que já tivesse se apropriado do modelo convencional de escrita. O agrupamento com crianças do mesmo nível também foi usado nos momentos em que o professor precisava intensificar o ensino de um aspecto específico, como a elaboração de notas sobre os aspectos mais relevantes dos textos lidos e a revisão conjunta dos escritos. Sozinhos, os estudantes leram parte do material de pesquisa, fizeram anotações sobre o tema e elaboraram os primeiros textos, que posteriormente foram compartilhados com toda a turma.

Como é a atuação do professor em projetos como esses?
CLAUDIA - É ele quem organiza e agenda os combinados para que os trabalhos avancem – o que não significa que eles não possam ser revistos pela turma, com progressiva autonomia durante o decorrer do tempo. Ele também lê, escreve, comenta ou expõe para os alunos, planeja atividades com propósitos claros para cada etapa e cuida para que haja à disposição uma diversidade de fontes de pesquisa. Além do mais, cabe ao docente organizar a classe da forma mais interessante para atingir as metas, optando por sugerir tarefas individuais, coletivas ou em grupos. É importante também ele atuar no sentido de coordenar o intercâmbio de significados que são construídos no decorrer das atividades, compartilhar as decisões sobre os conteúdos e revisar as produções.

Qual foi a principal dificuldade encontrada ao sugerir esse projeto para classes multisseriadas?
CLAUDIA - O primeiro obstáculo foi romper com a prática habitual de sala de aula. Os professores tinham consciência de que os resultados não apareciam com a prática que mantinham até então. Mesmo assim, sempre existe uma resistência natural à mudança. Certamente, o uso de projetos como o que elaboramos requer um planejamento mais detalhado e difícil, pois é preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas. Porém tudo muda quando os docentes percebem que a aula se torna menos desgastante para eles e mais aproveitável para todos. Tivemos ainda de fazer esforços para acabar com ideias como a da fragmentação dos conteúdos, o que não pode acontecer em projetos didáticos.

Essa forma de organizar a classe e usar a heterogeneidade e a interação a favor do ensino pode ser usada em qualquer disciplina?
CLAUDIA - Dá para ensinar a ler e a escrever com conteúdos de Ciências Naturais, Ciências Sociais ou de qualquer outra matéria. Também é possível ter outros objetivos e produtos finais relacionados a qualquer área do saber.

Muitas vezes os professores de escolas rurais não se animam em fazer projetos didáticos por não ter uma comunidade ao redor para comparti- lhar o produto final. Como é possível romper com esse isolamento?
CLAUDIA - Especificamente no projeto que desenvolvemos, a interação entre escolas foi facilitada pelo contato que os professores estabeleceram durante a formação. Mas uma das coisas que eles aprenderam foi a possibilidade de criar situações didáticas que acabem com o trabalho solitário. Para isso, pensou-se no uso de diferentes mídias, que conseguem atingir até os destinatários mais distantes. As escolas que trabalharam conosco no programa de formação produziram material impresso, pois as unidades que participaram do programa tinham computador, mas não acesso à internet. Porém é possível também fazer gravações em áudio e vídeo para serem enviadas pelo correio ou eletronicamente quando houver esse recurso.

A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NO CAMPO



Cinthia Rodrigues Revista Nova Escola










A Pedagogia de Alternância intercala um período de convivência na sala de aula com outro no campo para diminuir a evasão escolar em áreas rurais.

A vida no campo também ensina. Esse é o preceito básico da Pedagogia de Alternância, proposta usada em áreas rurais para mesclar períodos em regime de internato na escola com outros em casa. Por 30 anos, a receita foi aplicada no Brasil por associações comunitárias sem o reconhecimento oficial. Agora, o Ministério da Educação (MEC) não apenas aceitou a Alternância como também quer vê-la ainda mais disseminada.

A metodologia foi criada por camponeses da França em 1935. A intenção era evitar que os filhos gastassem a maior parte do dia no caminho de ida e volta para a escola ou que tivessem de ser enviados de vez para morar em centros urbanos. No Brasil, a iniciativa chegou com uma missão jesuíta, no Espírito Santo, em 1969. Logo se espalhou por 20 estados, em áreas onde o transporte escolar é difícil e a maioria dos pais trabalha no campo. Os alunos têm as disciplinas regulares do currículo do Ensino Fundamental e do Médio, além de outras voltadas à agropecuária. Quando retornam para casa, devem desenvolver projetos e aplicar as técnicas que aprenderam em hortas, pomares e criações.



APRENDER NA ESCOLA Além das disciplinas regulares, os alunos têm aulas voltadas para a realidade rural. Fotos: Carlos Costa.

Até 1998, os estudantes que se formavam nessas instituições ainda precisavam prestar um exame supletivo para conseguir o diploma, mas no ano seguinte o regime foi legitimado pelo MEC. Hoje, são 258 escolas com pelo menos 20 mil estudantes em todo país - e índices de evasão baixíssimos (veja o mapa abaixo). O diretor de Educação para Diversidade do ministério, Armênio Bello Schmidt, é um entusiasta da modalidade. "Enfrentamos problemas para transportar alunos de áreas afastadas para o centro e muitas vezes eles não querem isso", diz. Schmidt afirma que mais escolas vão adotar a Alternância nos próximos anos, já que há a fila de espera por vagas.

Pé firme no campo, mas de olho na universidade

A Escola Família Agrícola Riacho de Santana, a 846 quilômetros de Salvador, aplica a Alternância de 5ª a 8ª série, com conteúdo adicional de iniciação à agricultura, à zootecnia e à administração rural. Foi isso que fez Paulo Cezar Souza Calado, 16 anos, voltar a estudar depois de ter desistido na 7ª série, há dois anos. "Eu tinha aulas no centro e perdia mais de duas horas só para ir e voltar. Não via sentido. Aqui aprendi a fazer pocilga e horta. Quero fazer um curso de técnico agrícola e trabalhar com isso", projeta.

No Centro Estadual de Educação Profissional Newton Freire Maia, em Pinhais, a 7 quilômetros de Curitiba, a maioria dos alunos demonstra interesse em ingressar na universidade - em geral, em cursos ligados ao campo. "Estamos disseminando conhecimentos agropecuários para pequenos produtores e ajudando a melhorar a vida de muita gente", entusiasma-se o diretor, Eduardo Kardush.

Na escola, os alunos alternam períodos de três semanas na instituição com uma em casa. Enquanto estão na unidade, eles têm aulas das 7h30 às 12h e das 13h às 15h. No restante do tempo, têm disciplinas como agronomia e ecologia e ajudam a cuidar dos três hectares com horta, pomar e animais. Eles também fazem tarefas nos quartos e na cozinha. "Os funcionários são os responsáveis, mas os alunos participam de tudo", diz o diretor. Quando o dia acaba, todos se dirigem ao prédio do internato. Os dormitórios coletivos são divididos por estudantes do mesmo sexo e, preferencialmente, cidade. Os inspetores supervisionam a garotada, inclusive durante as atividades de lazer. Namoros só são permitidos com autorização dos pais por escrito.

Professores precisam conhecer a realidade do aluno

Diante de uma rotina tão distinta, o trabalho dos professores também muda bastante. A começar por um ponto básico: em uma semana por mês, as salas de aula estão vazias. É nesse período que eles elaboram seus planos de aula e projetos e, eventualmente, visitam as comunidades atendidas pela escola. "A visita é fundamental para o professor saber o que pode ou não exigir do aluno enquanto está em casa", garante Érica Cristina dos Santos, que leciona Língua Portuguesa. "Alguns lugares têm até internet e outros nem energia elétrica. É preciso sempre pensar em atividades flexíveis", diz.

A professora de Geografia Rosa Caldeira de Moura destaca a facilidade de desenvolver projetos anuais. "No ensino tradicional, os alunos tendem a dispersar, mas aqui as atividades práticas servem de fio condutor", explica. Toda vez que a turma está para voltar para casa, ela pensa em um tema que possa ser visto na prática. Um exemplo é a erosão. Ela explica o fenômeno e os riscos que ele traz, depois ensina a reproduzi-lo em um pequeno espaço da horta, retirando raízes e acrescentando água. "O pessoal faz e não esquece nunca mais", garante.

A autora do livro A Educação Rural no Brasil, Claudia Souza Passador, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), defende o uso em larga escala da Alternância, pois entende que ela valoriza o trabalho no campo. "A maioria das escolas estigmatiza o agricultor. As crianças são levadas a pensar que trabalhar na roça é para quem não tem estudo. Um erro. O conhecimento é útil em todas as áreas. O Brasil, especialmente, precisa de pessoas bem formadas para esse setor porque 80% dos municípios têm uma economia essencialmente rural", diz.

Em Goiás, a 130 quilômetros de Goiânia, Daiane Naier da Silva se tornou uma entusiasta do método. Na Escola Família Agrícola de Goiás, a alternância é de duas semanas na instituição e duas em casa. Daiane dá aula de Matemática em dois períodos e, uma vez por semana, dorme na escola em esquema de revezamento para cuidar da garotada. Para ela, isso gera um relacionamento pessoal que leva a bons resultados. "Os alunos se tornam próximos e adquirem confiança na gente", afirma.

Daiane destaca o diálogo constante com os jovens para entender seu cotidiano. Daí cria problemas com cabeças de boi e dúzias de frutas ou divisão de espaços semelhantes ao que fazem em casa. "Eles me explicaram como funciona a reforma agrária, as dificuldades que passam nos assentamentos e como fazem para contornar. Aqui a gente ensina, mas também aprende muito", conclui.

Urbano x Rural

O apoio oficial à Alternância ainda gera polêmica. Há a preocupação de que o método perpetue crianças e adolescentes no campo - caso em que a Educação não cumpriria seu papel de ampliar possibilidades. Segundo o diretor de Educação para a Diversidade do MEC, Armênio Bello Schmidt, os resultados mostram o contrário. "Cerca de 70% dos alunos de Alternância ingressam no Ensino Superior. Nas escolas públicas, esse índice é inferior a 60%", garante. Mestre em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (UEB), Neurilene Martins Ribeiro afirma que o tema precisa de mais debate antes de se tornar uma política pública. Ela estudou a rotina de escolas rurais da chapada Diamantina e tem dúvidas sobre a aplicação da Alternância. "Por um lado, nossas políticas são muito urbano-centristas e precisamos valorizar o meio rural. Por outro, esse método pode acentuar a separação entre cidade e campo", conclui.

Reportagem extraída do site:

ENSINO COM A CARA DO CAMPO


Amanda Polato
Revista Nova Escola

Como uma proposta pedagógica eficaz fez a escola rural se tornar referência em qualidade de ensino.


CONTEÚDO E CONTEXTO Alunos da Hermínio Pagotto, em Araraquara, aprendem na sala de aula e nas plantações. Foto: Rogério Albuquerque.



Pés de jaca, goiaba e maracujá estão por toda a parte ao redor da EMEF do Campo Professor Hermínio Pagotto, em Araraquara, a 270 quilômetros de São Paulo. Ela está no assentamento Bela Vista do Chibarro, região dividida em lotes que foram entregues em 1990 a 170 famílias pelo Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (Incra). As propriedades que surgiram são hoje mais do que uma fonte de renda para a comunidade: elas se tornaram laboratório e sala de aula para os filhos dos agricultores.

Tudo começou em 2001, quando as pessoas que ali moravam e trabalhavam se reuniram para resolver um problema: a escola era estadual e, para ser municipalizada e receber mais investimentos, os gestores precisavam apresentar um projeto à secretaria de Educação. Mudanças na forma de ensinar – até então baseada em livros didáticos e com conteúdos distantes da realidade local – já estavam nos planos da direção. Para atingir os objetivos, era necessário fazer a escola rural dar certo. E, no trabalho de aprofundar os conhecimentos e abrir as portas para a comunidade, nasceu um projeto vitorioso (leia mais sobre as ações que garantiram o sucesso da escola no quadro abaixo). “Precisávamos fazer com que os alunos percebessem o sentido do ensino e valorizassem o aprendizado”, lembra a diretora, Adriana Maria Lopes Morales Caravieri. Os indicadores eram preocupantes: a evasão tinha atingido 15,3%, e a taxa de reprovação, 7,14%.

Pais, alunos, professores, funcionários, lideranças comunitárias, pesquisadores de universidades e representantes da secretaria de Educação da cidade, do Incra e do Instituto de Terras do Estado de São Paulo foram chamados para participar da discussão do projeto pedagógico, batizado de Programa Escola de Campo, foram chamados O que começou como uma solução para apenas uma escola acabou virando uma política pública no município de Araraquara, um modelo tão bem-sucedido que foi adotado pela vizinha Matão (leia mais abaixo).

Ações para uma escola rural dar certo

• Aproximação do ensino com a realidade das crianças.
• Valorização dos saberes do campo.
• Uso de espaços alternativos de ensino, como as plantações locais.
• Aprofundamento dos conhecimentos, relacionando-os com os produzidos fora do contexto rural. • Abertura da escola para a participação ativa da comunidade.
• Contato com outras escolas rurais para a troca de experiências.

Saberes bem atrás de casa

Uma das primeiras decisões foi fazer das propriedades locais uma extensão da sala de aula, permitindo que os saberes circulassem entre a escola e a casa dos alunos. Muito do que as crianças aprendem é útil para quem trabalha com a terra. Stefany Aragão Oliveira, 9 anos, descobriu nas aulas de Ciências que o bichinho da goiaba vem dos ovos de uma espécie de mosca. A professora ensinou a fazer uma armadilha para os insetos, evintando assim que as frutas fossem atingidas. Nas árvores do pomar da família, a menina montou arapucas e eliminou o problema.

Para valorizar os saberes do campo e fortalecer a aproximação com a comunidade, os agricultores se tornaram uma fonte de informação. No estudo sobre as propriedades medicinais do maracujá, Adiel Augusto Gonçalves recebeu a turma do 4º ano durante uma manhã para conversar sobre o plantio. Primeiro, a garotada fez pesquisas em livros e depois foi investigar como o cultivo é feito pelos pais e vizinhos. “Eu também estou aprendendo ainda”, afirma Adiel às crianças, ao trocar informações sobre as melhores formas de obter as sementes.

Outro princípio da Escola do Campo é aproveitar dados da realidade para ensinar os principais conteúdos curriculares. No início dos trabalhos com o 6º ano, ao estudar a origem dos números e os sistemas de numeração, o professor Irineu Marcelo Zocal propôs uma atividade de coleta de dados. As crianças pesquisaram nos lotes os tipos de lavoura que eram cultivados. Em sala, elas construíram gráficos de barras para fazer comparações. “Essa é uma forma de usar informações do contexto das crianças”, explica. É também uma maneira de mostrar que o uso do contexto local não significa desprezar os conhecimentos produzidos fora do âmbito rural. “Eu trago o mundo para dentro da escola”, completa Odete Botari, que leciona para o 3º ano. A turma dela estuda conteúdos relacionados à alimentação, fazendo pesquisas na horta da escola e nos arredores. Mas não fica nisso. “Quero que todos aprendam a fazer gráficos da distância entre os planetas”, exemplifica.

Envolvimento comunitário

A Hermínio Pagotto usa vários mecanismos de interação com a comunidade. Os tradicionais, como o Conselho Escolar e o Grêmio Estudantil, têm participação ativa em todas as ações da escola. Há ainda reuniões e assembleias comunitárias. Luciana Carla Soares Moço é mãe de aluno e presidente do Conselho há três anos. “Nada acontece sem que todos fiquem sabendo. Participamos das decisões”, comenta. A unidade está permanentemente aberta para familiares e vizinhos, que utilizam os espaços disponíveis para promover cursos de qualificação profissional, reunir lideranças rurais e até promover festas. Tudo está à disposição, da quadra ao laboratório, passando por biblioteca, hortas e cozinha experimental.

O projeto ganhou o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas em 2004. Em 2008, a Hermínio Pagotto participou de uma iniciativa do Instituto Embraer e passou por uma avaliação completa, com direito a um trabalho de identificação do que estava funcionando bem e do que poderia melhorar. Agricultores, pais, alunos, professores e funcionários, todos ajudaram a fazer o diagnóstico, que deu origem a projetos de melhoria tão interessantes que receberam o financiamento do instituto. Ainda este ano, as crianças ganharão uma sala de informática com internet, um playground e um viveiro de mudas. Os indicadores atestam o resultado do trabalho cooperativo: a evasão caiu para zero e a taxa de reprovação para 2,7% (um terço do que era em 2000). “É um incentivo à gestão participativa, com as pessoas contribuindo, em vez de só reclamar”, explica Mariza Scalabrin, gerente de desenvolvimento social do Instituto Embraer.

Modelo de Inovação

As transformações que fizeram da EMEF do Campo Professor Hermínio Pagotto uma referência em escola rural foram fruto de um processo de intenso diálogo com a comunidade e os parceiros envolvidos na realidade do campo. Tudo para que a escola se adequasse às exigências nacionais para o ensino rural e, ao mesmo tempo, refletisse as necessidades e os anseios dos moradores. Consolidadas as diretrizes educacionais, elas foram apresentadas no Fórum Municipal de Educação e aprovadas por unanimidade. “Todo o conhecimento que discutimos e acumulamos foi transformado no nosso projeto pedagógico, que deu origem à escola que vemos hoje, totalmente dedicada à aprendizagem dos alunos e ao desenvolvimento da região”, conta a diretora, Adriana Caravieri. Em 2002, o programa se tornou uma referência para todas as escolas rurais de Araraquara. Na época, Alexandre Luiz Martins de Freitas era coordenador da Secretaria de Educação e acompanhou a implantação do projeto em outras duas unidades da rede. Atualmente, ele é o titular do cargo no município de Matão, a apenas 35 quilômetros de distância. E já levou a experiência para três escolas dessa cidade. A EMEF do Campo Professora Helena Borsetti tem 360 alunos e é uma delas. “No início, houve alguma resistência dos professores em relação aos novos métodos de ensino, mas eles logo viram que a contextualização do saber dá resultado”, revela a diretora, Milena Ferreira. A escola monta os projetos aproveitando todos os espaços disponíveis, como a horta, que é usada para a medição de perímetro e área. A troca de informações entre as unidades rurais não para no eixo Matão-Araraquara. A Hermínio Pagotto já foi palco de seminários regionais de Educação do campo e os gestores participam de encontros municipais, regionais e nacionais para trocar experiências e criar uma rede de comunicação cada vez mais eficaz.


segunda-feira, 5 de abril de 2010

ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: A QUEM INTERESSA?

Dirce Djanira Pacheco e Zan


A Lei Federal n. 11.114, de maio de 2005, modifica a redação dos artigos 6º, 30º, 32º e 87º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9394/96, tornando obrigatória a matrícula das crianças a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental. Desde então, presenciam-se debates entre educadores e a movimentação de redes públicas de ensino, motivados por esse dispositivo legal que precisa ser analisado no contexto das políticas educacionais brasileiras das últimas décadas. Neste texto, pretendo apontar algumas questões que permeiam o debate sobre a referida Lei.

Inicialmente, parece ser necessário retomar alguns momentos significativos na construção dessa nova estruturação do ensino fundamental. A LDB 5692/71, que vigorou até a promulgação do texto atual - LDB 9394/96 –, definia em seu artigo 19 a obrigatoriedade de ingresso no ensino de 1º grau (hoje, ensino fundamental) das crianças com idade mínima de sete anos. No entanto, é preciso destacar que, no mesmo artigo, abria-se a possibilidade para que cada sistema de ensino dispusesse sobre a matrícula de crianças menores. No mesmo artigo, havia a recomendação de que os menores de sete anos fossem atendidos em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes.

No artigo 87, inciso I, parágrafo 3º da LDB 9394/96, há referência à inserção das crianças de seis anos no ensino fundamental, de forma facultativa, com a condição de que o município já tenha matriculado todas as crianças na idade de sete anos. Essa orientação é reforçada e explicitada na Lei 10.172, de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação definindo metas e diretrizes para a educação nacional. No item referente ao ensino fundamental, o governo federal manifesta a intenção de ampliar a duração desse nível para nove anos, incluindo as crianças de seis anos. Essa nova estrutura se tornaria obrigatória na medida em que se fosse universalizando o atendimento na faixa dos 7 a 14 anos. A partir de então, pode-se observar que iniciativas no sentido de contemplar tal orientação se intensificam nas instâncias governamentais.

Segundo matéria publicada na revista Educação, em setembro deste ano, desde o final de 2003, representantes dos governos federal, estaduais e municipais têm manifestado a intenção de ampliar o ensino fundamental. Em julho de 2004 foi lançado o documento “Ensino fundamental de nove anos: orientações gerais”, produzido pela Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação. Este documento, segundo a SEB, é resultado de sete encontros regionais com gestores da educação para se debater o tema. Nele é ressaltada a situação de muitos dos municípios e estados brasileiros que já adotavam o ensino fundamental de nove anos. Segundo censo escolar de 2003, realizado pelo Inep/MEC, e divulgado pelo referido documento, naquele ano havia no território nacional 159.861 escolas públicas que ofereciam o ensino fundamental em 8 anos e 11.510 escolas que o ofereciam com nove anos de duração. De acordo com a matéria da revista Educação, citada anteriormente, as escolas da rede municipal de Belo Horizonte (desde 1994), da rede municipal de Porto Alegre (desde 1996), e mais recentemente, do município de Santo André (SP), figuram neste último caso. Entretanto, nessas três experiências é importante ressaltar o tempo de preparação e adequação das redes de ensino, bem como o envolvimento dos docentes no debate e na definição das ações necessárias para que tal adequação fosse realizada.

A justificativa apresentada pelo governo federal para a incorporação de crianças de seis anos no ensino fundamental se dá em parte pela constatação de que um número significativo de crianças com essa idade, filhas de famílias das classes média e alta, já se encontram inseridas no mundo escolar, seja na pré-escola ou no ensino fundamental (Brasil, 2005), o que difere da realidade da maior parte das crianças brasileiras dessa mesma faixa etária. Sendo assim, acredita-se que a reorganização proposta pelo MEC poderia contribuir para que este último grupo tivesse a mesma oportunidade. O referido documento alerta para o fato de que a inclusão de crianças de seis anos de idade não deverá significar a antecipação dos conteúdos e atividades que tradicionalmente foram compreendidos como adequados à primeira série. Destaca, portanto, a necessidade de se construir uma nova estrutura e organização dos conteúdos em um ensino fundamental, agora de nove anos.

Diante desse quadro, acredito que a questão que precisa ser analisada diz respeito à concepção política e educacional que se expressa nessa decisão legal. Desse modo, parece necessária a retomada do processo de luta de educadores e mães na construção de um sistema de educação voltado para o atendimento da criança de 0 a 6 anos. A Constituição Federal de 1988 estabelece o direito da criança nessa faixa etária de ter acesso à educação e a responsabilidade do Estado na sua oferta. Partindo dessa trajetória me pergunto se a inserção das crianças com 6 anos no ensino fundamental não seria uma estratégia de desmonte da educação infantil, uma vez que a população numericamente mais significativa que o freqüenta, está exatamente entre os 4 e 6 anos de idade. Dados divulgados pela imprensa, em novembro deste ano, baseados em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, apontam que 61,36% das crianças brasileiras entre 4 e 6 anos de idade freqüentam a pré-escola, enquanto apenas uma pequena parcela das crianças de 0 a 3 anos de idade (9,43%) está presente nas creches brasileiras.

Nas orientações para a implementação do ensino fundamental de nove anos divulgadas pelo Ministério da Educação, consta a não obrigatoriedade de freqüência na educação infantil, como sendo uma das razões para se inserir as crianças com 6 anos no ensino fundamental, este sim com caráter de obrigatoriedade. Defende-se, desse modo, a possibilidade de assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, e melhores condições para uma aprendizagem mais ampla. (Brasil, 2005) Pergunto, portanto, por que não investir numa política de fortalecimento da rede já existente e voltada para esse público?

Outra questão a ser problematizada é a forma como essa lei foi aprovada. Segundo Arelaro (2005), ela não foi discutida sequer pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), quanto mais, acrescento eu, por professores e pela comunidade escolar. Essa estratégia reafirma o que Arroyo (1999) aponta como um estilo próprio das políticas oficiais para a educação no Brasil, ou seja, acreditar “...que a inovação só pode vir do alto, de fora das instituições escolares, feita e pensada para elas e para seus profissionais, para que estes troquem por novos, como trocam de camisa ou blusa, velhas fórmulas, currículos, processos e práticas” (p. 134).

Junto a isso, torna-se fundamental uma análise que revele o sentido do projeto político que sustenta tal modificação no sistema educacional. Diferentes pesquisadores têm apontado o caráter economicista e mercadológico que tem orientado as políticas educacionais nas últimas décadas. Freitas (2003), por exemplo, denuncia que a forma como o ensino fundamental tem se organizado em ciclos no estado de São Paulo reflete um “projeto histórico conservador de otimização da escola atual, imediatista, e que visa ao alinhamento da escola às necessidades da reestruturação produtiva.” (p. 73). Portanto, é preciso refletir criticamente sobre a motivação política que fundamenta a tomada de decisão acerca da inserção de crianças com seis anos no ensino fundamental. De certo modo, a ampliação do ensino fundamental para nove anos e a progressiva extensão da obrigatoriedade do ensino médio podem ser compreendidas também como estratégias que visa proporcionar uma aproximação da realidade educacional brasileira à dos países vizinhos na América Latina (Barretto e Mitrulis, 2001), onde a escolarização obrigatória tem em média 12 anos de duração. Possivelmente, essa iniciativa significaria uma ação no sentido de aproximação desses países, contribuindo assim para a consolidação do Mercosul. Acredito que são necessários estudos mais aprofundados para desvendar o caráter das orientações políticas que sustentam essa mudança no sistema de ensino brasileiro.

É preciso compreender que a implementação de mudanças educacionais dessa natureza não acontece simplesmente pela aplicação de novas legislações, mas exige o comprometimento de professores e das comunidades com a formulação das políticas. Portanto, o prazo de cinco anos estipulado pela Lei 11.114 para que toda a rede pública incorpore a população de crianças de seis anos de idade, parece não considerar essas questões. As especificidades e histórias das redes públicas das diferentes regiões do país precisam ser levadas em consideração no momento de se definir e implementar políticas como essa.

Dirce Djanira Pacheco e Zan é doutora em educação pela FE/UNICAMP, professora da Universidade São Marcos (Paulínia/SP) e do Centro UNISAL (Americana/SP).

Texto extraído do site:

domingo, 21 de março de 2010

CONCEITUANDO DIREITOS HUMANOS

Ricardo Alexandre Pereira

Escrevi o texto abaixo quando estudei a questão dos direitos humanos no Curso de Educação para Diversidade e Cidadania da Unesp de Bauru. Como a educação é um dos direitos fundamentais do ser humano, resolvi disponibiliza-lo aqui, afinal, o objetivo do blog é justamente discutir os grandes temas da educação. Creio que seja interessante todos saberem um pouco sobre o que são os direitos humanos. Segue o texto:

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Primeiramente, é importante ressaltar que conceituar direitos humanos não é uma tarefa fácil, devido a amplitude do tema. Diversos estudiosos elaboraram definições para explicar o que são os Direitos Humanos, entre eles João Baptista Herkenhoff, que afirma que,

por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.[1]

Celso Lafer, professor da Faculdade de Direito da USP, em entrevista apresentada no vídeo Conceituação de Direitos Humanos – Parte 1, também se refere a dignidade humana dizendo que “a temática dos direitos humanos, naturalmente, diz respeito ao valor da dignidade da pessoa humana”[2]. Nesse mesmo vídeo, o texto de introdução fala que “basicamente, os direitos humanos representam o reconhecimento pelo direito do valor da pessoa humana. Os individuos podem nascer diferentes, desiguais, mas, na medida em que todos eles nascem como seres humanos, eles são portadores de um patrimônio comum”[3]. Em 1947, Charles Malik, relator da Comissão de Direitos Humanos da ONU, já falava de direitos pertencentes a essência do ser humano, afirmando que,

a expressão ‘direitos humanos’ refere-se obviamente ao homem, e com ‘direitos’ só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que não é puramente acidental, que não surge e desaparece com a mudança dos tempos, da moda, do estilo ou do sistema; deve ser algo que pertence ao homem como tal[4].

Dessa maneira, é possível entender que os direitos humanos se referem aos direitos fundamentais do ser humano, direitos esses, que são inerentes a própria pessoa humana. Ou seja, são direitos que “homem” possui pelo fato de ser humano. Os direitos humanos visam resguardar os direitos inerentes a pessoa humana como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, fraternidade, entre outros. Fazer valer os direitos humanos significa promover o respeito à dignidade humana. Assim, o conjunto dos direitos humanos engloba os direitos civis e políticos, os direitos sociais, econômicos e culturais, os direitos referentes ao meio ambiente, os direitos dos deficientes, o direito a solidariedade, o direito a paz, etc.

Os direitos fundamentais do ser humano estão expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Já no preâmbulo, a Declaração considera que todos os seres humanos fazem parte da mesma humanidade e, portanto, possuem direitos iguais e inalienáveis, afirmando que o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”[5]. Veja abaixo os artigos primeiro e segundo da referida declaração:

Artigo 1º - Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 2º - Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição
[6].

Os Direitos Humanos costumam ser divididos em duas gerações de direitos: civis e políticos e econômicos, sociais e culturais. A primeira geração de direitos se refere aos direitos civis e políticos. De acordo com Celso Lafer, essa primeira geração “é um legado do liberalismo, é o legado da importância da liberdade, seja a liberdade do individuo, seja a idéia da desconcentração do poder”[7]. Já a segunda geração de direitos se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais, e, segundo Lafer, essa geração “é o legado do socialismo, é a idéia de que há um direito de crédito do indivíduo de participar daquilo que vai sendo construido, não de forma individual, mas de forma coletiva”[8].

É importante ressaltar que o discurso da ideologia liberal (neoliberal) acredita que os direitos humanos se reduzem as liberdades individuais, ao direito individual, aos direitos civis e políticos, não considerando os direitos sociais como fundamentais para melhorar a sociedade. Já o discurso da segunda geração de direitos, enfatiza a importancia da realização dos direitos sociais e econômicos, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a alimentação, entre outros, para a construção de uma sociedade melhor, mais justa, inclusiva, sustentável e plural. Na prática, essas duas gerações de direitos, esses dois posicionamentos, não são excludentes, mas sim, interdependentes. São interdependentes pois, a não realização de um direito, praticamente inviabiliza a realização do outro. Por exemplo, a não realização dos direitos sociais e econômicos, inviabiliza a realização dos direitos civis e políticos.

Os quatro princípios para um regime político com direitos humanos, estabelecidos pela Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, afirma a existência dessa interdependencia entre os direitos. Nessa Conferência,

a comunidade internacional reafirmou os quatro princípios que são o ponto central do regime com direitos humanos: os direitos humanos são universais (direitos que pertencem a todas as pessoas), indivisíveis (os direitos não podem ser separados uns dos outros), inter-relacionados (os direitos afetam-se uns aos outros) e interdependentes (um direito não pode ser obtido integralmente sem que os outros também o sejam)[9]

[1] Informação extraída do site: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/herkenhoff/livro1/conceito.htm
[2] Informação extraída do vídeo Conceituação dos Direitos Humanos – Parte 1, apresentado na Unidade 2, Módulo 2, do Curso Educação para Diversidade e Cidadania, disponível no site: http://unesp.br/observatorio_ses/int_conteudo_sem_img.php?conteudo=549
[3] Idem, disponível no mesmo site: http://unesp.br/observatorio_ses/int_conteudo_sem_img.php?conteudo=549
[4] Informação extraída do site: http://www.unifor.br/notitia/file/1671.pdf
[5] Informação extraída do site: http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm
[6] Informação extraída do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_humanos
[7] Informação disponível no site: http://unesp.br/observatorio_ses/int_conteudo_sem_img.php?conteudo=549
[8] Idem, disponível no mesmo site: http://unesp.br/observatorio_ses/int_conteudo_sem_img.php?conteudo=549
[9] Informação extraída do site: http://vecam.org/article652.html

LEI 10.639 e LEI 11.645 - ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA

Currículo: História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena


  Em 2003, a Lei nº 10.639 alterou a  LDB - Lei de Diretrizes e Base da Educação (Lei nº 9.394/96) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira. No ano de 2008, a Lei nº 11.645 alterou novamente a LBD para incluir no currículo a obrigatoriedade do estudo da história e cultura dos povos indígenas. Assim, a legislação passou a exigir a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Veja abaixo as partes principais das leis 10.639 e 11.645:


LEI FEDERAL Nº 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003

Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

Art. 1º - A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Observação: O artigo 79-A que constava do Projeto de Lei foi vetado pelo Presidente e não entrou em vigor. Por esse motivo o mesmo não consta no trecho da lei citado acima.

Veja a Lei na íntegra:




LEI FEDERAL Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008.

Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

Art. 1º - O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.



Observação: A Lei nº 11.645 alterou o Art. 26-A que havia sido incluído na LDB pela Lei nº 10.639, visando incluir a temática dos povos indígenas no currículo.

Veja a lei na íntegra:


  Portanto, essa duas leis tornaram obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas de ensino fundamental e médio, tanto da rede pública quanto da rede privada. Pois bem, depois de analisar as leis separadamente, agora veja diretamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação como ficaram tais alterações. Acesse pelo link a seguir: 



Ricardo Alexandre Pereira

terça-feira, 16 de março de 2010

A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA O ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

A legislação sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira
precisa ser efetivada na prática em todas as escolas do país.
Imagem: Agência Envolverde Jornalismo


  A legislação para a educação no Brasil é muito boa. A LDB – Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é uma das mais avanças e modernas do mundo. A Constituição Federal, de 1988, possuí um capítulo inteiro para tratar de educação e cultura, além de outras partes que podem ser relacionadas às práticas educativas, como o capítulo que fala sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, o capítulo que trata dos direitos sociais, o capítulo que aborta a temática da família, da criança e do adolescente e o capítulo que fala dos índios. Temos também a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Além dessas três referências principais - Constituição, LDB e ECA - existem várias outras leis, resoluções, diretrizes e pareceres regulamentando os mais diversos temas da educação: educação a distância, educação especial, educação de jovens e adultos, currículos, etc.

  Em relação ao tema das relações étnico-raciais e suas ligações com a educação, também já possuímos legislação suficiente: Lei 10.639, Parecer 03/2004 ,Resolução 01/2004 e Lei 11.645. A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório o estudo sobre história e cultura afro-brasileira na rede de ensino. O Parecer 03/2004, do Conselho Nacional de Educação, regulamentou a alteração trazida a LDB pela Lei 10.639. A Resolução 01/2004, instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. E a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena na rede de ensino. Aliás, legislações anteriores a essas, como a Constituição/88 e a LDB/96, já faziam referência a temática das relações étnico-raciais. A LDB/96, por exemplo, no artigo 26, parágrafo 4º, já determinava que “o ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”.

  Assim, podemos afirmar que, pelo menos no que se refere à parte de legislação educacional, o Brasil está bem servido. As leis existem, são boas e perfeitamente aplicáveis na prática. Porém, o grande problema é que no Brasil, muitas leis acabam ficando só no papel e nunca são aplicadas na realidade. A Constituição Brasileira, por exemplo, garante vários direitos que, na prática, ainda não foram realizados. A LDB segue o mesmo caminho, pois, apresentou avanços significativos para a educação, no entanto, boa parte desses avanços ainda está só no papel e não foi aplicada na prática. Dessa forma, o papel de todos os cidadãos brasileiros, em especial nós educadores, é de lutar para que nossos direitos garantidos por lei sejam realizados na prática.

  Em relação à legislação educacional sobre as relações étnico-raciais, sua aplicação na prática torna-se uma tarefa um pouco mais complicada, pois será necessário promover uma mudança de mentalidade de todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem. Ou seja, para se efetivar a introdução do estudo de história e cultura afro-brasileira e indígena na rede de ensino, será necessária uma mudança de mentalidade de todos os atores envolvidos no processo. Todos nós sabemos que o sistema educacional brasileiro oferece uma educação de herança branca, etnocêntrica e eurocêntrica. Em nossas escolas, a História do Brasil é contada na perspectiva dos brancos e os negros e índios são relegados a segundo plano, tidos como subculturas, algo exótico. A própria formação universitária de nossos professores não dá a devida importância às contribuições dos negros e índios para a formação do nosso país. Assim, torna-se urgentemente necessário, romper com essa visão eurocêntrica e branca da sociedade brasileira e valorizar e reconhecer a importância dos negros e índios na construção do Brasil atual. Portanto, torna-se necessário uma mudança de mentalidade.

  José Luiz de Oliveira e Maria Lúcia Monteiro Guimarães, no livro Introdução Conceitual para a Educação em Relações Étnico-Raciais, afirmam que “a exigência de se efetivar a Lei 10.639/03 convoca a todos os educadores e gestores em relações étnico-raciais a admitirem que a cultura Afro-brasileira encontra-se presente em toda a nossa trajetória de formação da nação. Trata-se de uma cultura fundante da identidade do povo brasileiro”, e que “o objetivo só será atingido por meio da adoção, por parte dos educadores e gestores em relações étnico-raciais, de uma insistência constante, para que se insiram no currículo escolar as dimensões históricas, sociais e antropológicas que formam a identidade da população afro-brasileira.” Eu acredito que é possível, e vou lutar para que se processe uma mudança de mentalidade e para que a lei seja cumprida.


  Ricardo Alexandre Pereira